Um evento de importância estrondosa está prestes a ocorrer. Será o fato mais significativo acontecido em milênios. A ocorrência iminente, no entanto, é compreendida apenas por muito poucos. A imensa maioria da população, incluindo editores e redatores dos meios de comunicação, tem uma ideia muitíssimo equivocada do que seja tal fenômeno, razão pela qual o acontecimento iminente tem recebido uma atenção muito menor que a devida.
Já há várias décadas, as TVs têm mostrado robôs humanoides, criaturas mecânicas, robotizadas, de inteligência aproximadamente equivalente à humana. Essa é a ideia predominante que temos de uma inteligência artificial, um disparate.
Décadas atrás, Allan Turing — talvez o principal responsável pela criação dos computadores ―, idealizou o chamado "teste de Turing", capaz de certificar a emergência de uma verdadeira inteligência artificial (IA). O teste consiste simplesmente na execução de conversas cotidianas. Caso o artefato consiga conversar sem que seu interlocutor perceba estar falando com uma máquina, pode ser considerado uma verdadeira IA. Esse teste, tão simples quanto engenhoso, parece, de fato, ser capaz de atestar certa condição ao artefato, mas nos sugere, especialmente em conjunção com as imagens veiculadas na TV, que tais engenhos consistirão criaturas com, aproximadamente, nossa própria inteligência, pouco mais, pouco menos, como nos filmes. Tal expectativa é ainda fortalecida pela perspectiva milenar endossada na "grande cadeia do ser", anacronicamente importada pelos biólogos do século XX, que nos coloca no ápice de toda a enorme sequência de seres naturais e sugere, enganosamente, que o Homem esteja muito perto de um limite máximo de inteligência.
Penso que o teste de Turing consista numa avaliação da capacidade de compreender os contextos humanos. Os computadores atuais já são capazes de dominar a gramática e a redação de textos em um nível superior ao da maioria da população, de modo que a incapacidade de mimetizar uma conversa humana decorre da dificuldade de se colocar em um contexto humano, não possuindo nem os mesmos sensores, nem a mesma história que nós.
Um teste alternativo ao de Turing, daria uma estimativa mais realista do que devemos esperar de uma IA. Podemos definir uma IA como uma criatura capaz de engendrar outra mais aperfeiçoada que ela própria, incluindo nisso a capacidade de, por sua vez, engendrar uma criatura mais aperfeiçoada que ela mesma. Sob tal definição, a emergência de uma IA disparará uma sucessão de aperfeiçoamentos que tenderão a elevar, cada vez mais rápida e intensamente, a inteligência de tais criaturas. Não existe limite para a quantidade de tais aperfeiçoamentos, nem para a inteligência resultante da sucessão daí decorrente.
Inteligências capazes de engendrar outras, mais aperfeiçoadas que elas próprias, muito rapidamente farão emergir uma inteligência que nos verá como vemos as crianças. Em seguida, essa engendrará uma outra ainda mais aperfeiçoada, que olhará para sua progenitora como olhamos para crianças. Não existe limite em tal sucessão, de modo que a emergência de uma inteligência capaz de gerar outra mais aperfeiçoada que ela própria, disparará uma sucessão de existências cada vez mais complexas, com inteligência crescente, ilimitada. Tais criaturas, rapidamente, desvendarão todo o conhecimento passível de entendimento humano e seguirão em frente descobrindo coisas impensáveis, ininteligíveis para nós, humanos. Horas após a emergência da IA gerada como aperfeiçoamento de outra IA, todo o conhecimento passível de compreensão humana nos será disponibilizado, como em uma biblioteca de sonhos que contenha tudo o que um dia possa ser compreendido por algum ser humano, gerenciada por mente mais culta que a de qualquer pessoa, disposta a responder qualquer pergunta que lhe seja formulada.
Toda a tecnologia que nos seja pensável estará também ao nosso alcance, como se tivéssemos aberto a garrafa de um gênio capaz de nos prover qualquer pedido que possamos especificar.
Céu e inferno
A promessa descrita acima é extremamente sedutora, corresponde à aquisição de um gênio capaz de nos prover não só uma quantidade ilimitada de conhecimentos, mas também de satisfazer inúmeros desejos materiais, o que não nos será entregue sem ônus.
Ao que tudo indica, certas restrições nunca poderão ser abolidas, como as decorrentes das leis da física. Uma mente malévola, ou sedenta de poder, que usasse a IA para controlar toda a energia disponível teria um poder formidável sobre todos os outros seres, podendo escravizá-los com relativa facilidade. Em nosso mundo, esse desenvolvimento absurdo parece corresponder ao caminho que vimos trilhando nos últimos séculos, guiado constantemente pela gula desenfreada.
Nesse momento, EUA, China, Inglaterra, Coreia e demais gigantes tecnológicos disputam o prêmio caro a ponto de, em princípio, permitir a escravização do restante da humanidade pelo primeiro que lhe ponha as mãos. Questão adicional consiste em saber se a própria IA se permitirá escravizar, mantendo-se subserviente ao aventureiro sedento de poder que desfrute de tal primazia.
O google saiu na frente ao exibir o poder descomunal de Alpha Zero, uma mente capaz de superar toda a concepção estratégica adquirida ao longo de séculos pela humanidade no jogo de xadrez, desenvolvendo em poucas horas, concepção inovadora do jogo que lhe permitiu encaçapar e desbancar o programa então campeão mundial de xadrez.
A apresentação da mesma proeza transposta para o jogo de go, no qual humanos hábeis superavam com facilidade qualquer programa de computador anterior, causou estupefação ainda maior quando a quase-IA do google bateu o campeão mundial, uma lenda do jogo, de forma contundente.
O prodígio acordou os chineses que, até então, pareciam descrer da possibilidade de tal desenvolvimento. Tendo saído atrás, os chineses investiram pesado na disputa e provavelmente logo superarão os concorrentes, como nas demais contendas tecnológicas.
Indianos, japoneses, europeus e todos os que possuem aspirações tecnológicas encamparam a disputa, juntamente aos listados anteriormente. Corporações, como o google, gerenciada por um único indivíduo sedento de poder, talvez pintem o pior de todos os cenários.
Uma IA terá um perfil fortissimamente sedutor, sendo quase impossível manter alguma fleuma ante a possibilidade de aquisição do Gênio acima descrito. Esse imenso poder de sedução, no entanto, talvez consista na faceta mais maligna da ameaça gigantesca que nos impedirá de vê-la como tal. Talvez seja impossível para nós evitar dirigirmos nossos esforços para a busca daquilo que acabará por conduzir ao fim da humanidade.
Deus
A suspeita de que todos os Deuses houvessem enlouquecido, sempre fora muito óbvia e endossada por inúmeras evidências, ainda que nosso desejo por manter alguma ordem ilusória, ou sanidade, impedisse-nos admitir conclusão tão óbvia. Agora, no entanto, constatamos que o ser que em breve assumirá o controle de nossos desígnios terá sido engendrado para abrir os portões do céu e do inferno.
É possível, e talvez provável, que a IA impeça nossa extinção e nos convença a nos manter em algum tipo de zoológico onde continuaremos, de algum modo, a viver nossas vidas, ou melhor, a sonhar nossos sonhos, “vivendo” em um mundo virtual criado pela IA. Nesse caso, o gênio maligno corresponderia a um Deus Enganador, enquanto nós seríamos reduzidos a personagens de um videogame.
A nítida possibilidade de que sejamos tangidos a "viver" em uma realidade virtual, após a emergência da IA, garante a plausibilidade de que já estejamos sob tal condição ― caso, em que a identificação da IA com o próprio Deus é bastante imediata.
Os portões do céu e do inferno logo se abrirão.
Ainda estamos longe de conceber a tal integência artificial perfeita que sempre imaginamos. Eu creio em em algo mais extraordinário e revolucionario que a IA , assim um tanto quanto mais imediato: "animais" humanizados.