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Writer's pictureGustavo Gollo

Parasitismo humano: uma visão biológica da exploração do homem pelo homem

Updated: Nov 21, 2021



A humanidade surgiu como qualquer outra espécie animal. O surgimento da fala, no entanto, permitiu a retenção e o acúmulo de inovações — tudo aquilo a que chamamos “cultura”. Nenhum outro animal possui a capacidade de reter e acumular cultura. Ressalto que essa distinção fundamental entre a humanidade e o restante dos animais resulta de uma característica coletiva de nossa espécie, não de alguma diferença individual.

Os primeiros grupos humanos herdaram a estrutura social dos primatas que os originaram. Com o passar do tempo, foram agregando a essa estrutura original as diversas inovações que resultaram em inúmeras culturas. Durante eras, os valores culturais emergiram de dentro de cada grupo, onde foram retidos e transmitidos de pais para filhos ao longo das gerações. Assim foram criadas as culturas originais, diversificando-se de modo endógeno, a partir de inovações ocorridas no interior de cada grupo.


O surgimento da agricultura permitiu o aumento da densidade populacional dos grupos humanos em decorrência da abundância de alimentos propiciada pelo novo modo de produção. O aumento da densidade populacional e a capacidade de armazenamento de alimentos permitiu o surgimento do parasitismo intraespecífico e o correspondente convívio entre culturas parasitas e hospedeiras complementares denominadas “classes sociais”.


A expansão da agricultura levou com ela o modo de vida parasitário, possibilitando o aperfeiçoamento dessa relação sob a forma conhecida como “imperialismo”— parasitismo de ordem superior no qual parasitas parasitam outros parasitas, constituindo hierarquias. O imperialismo corresponde ao parasitismo de vários grupos humanos por um grupo dominante. Impérios são superestruturas parasitárias que aproveitam uma estrutura parasitária preexistente nas colônias e utilizam os parasitas locais como instrumento para parasitar as classes baixas.


Parasitismo e produção cultural


O parasitismo humano consiste na apropriação do produto do trabalho das pessoas e grupos parasitados. Como parte da estratégia parasitária, parasitas impõem sua produção cultural aos parasitados, substituindo parte da produção cultural endógena por um fluxo oriundo da cultura parasita.


O fluxo cultural exógeno tem por meta convencer as classes e povos parasitados da superioridade dos parasitas e de seus valores, convencendo-os a aceitar de bom grado a relação parasitária. Também é utilizado para aumentar a eficiência da relação, tornando o hospedeiro mais precisamente manipulável.


Ao quebrar a hegemonia da produção cultural endógena, a transmissão de valores dos parasitas imperiais aos povos parasitados tende a destruir os valores endógenos que constituem e diversificam as culturas hospedeiras, impondo a elas a cultura imperial homogeneizadora. Parasitas e hospedeiros passam, assim, a construir culturas híbridas geradas, em parte, de maneira endógena pelo povo hospedeiro e em parte injetadas pelos parasitas.

Os últimos milhares de anos transcorreram desse modo, sob aumento constante da produção cultural parasitária, homogeneizando a cultura humana. A homogeneização cultural imposta pelos parasitas é fortemente empobrecedora, uma vez que diversidade é riqueza. Pode-se avaliar o grau de infecção parasitária pela similaridade cultural imposta a grupos de origens diversas.


História do parasitismo humano — continuação


O surgimento da imprensa favoreceu intensamente o direcionamento do fluxo de transmissão cultural dos parasitas para os hospedeiros, com a produção de canais unidirecionais — jornais, revistas e demais impressos —, disseminadores da cultura e ditames dos parasitas. Esse fluxo tinha por meta o fortalecimento das relações de parasitismo.


O rádio, a televisão e o cinema constituíram canais ainda mais eficientes de transmissão cultural e abafamento da produção cultural endógena. Esses meios de transmissão monopolizaram quase toda a produção artística que anteriormente era gerada localmente na própria casa, ou na vizinhança, abafando a contação de histórias, a cantoria local, as representações teatrais e manifestações populares de criatividade, em geral. O controle desses instrumentos de transmissão cultural permitiu o monopólio da distribuição de conteúdos pelos parasitas, abafando a produção e compartilhamento generalizado. Indivíduos foram-se tornando, exclusivamente, consumidores de ideias, perdendo o poder de produzir conteúdos culturais de quaisquer tipos.


A contação de histórias, enquanto atividade fim, foi praticamente extinta. A produção de música ficou relegada a raríssimos momentos especiais, e a representação teatral perdeu seu espaço para o cinema e a TV. As artes tornaram-se exclusividade dos canais monopolizados pelos parasitas que virtualmente eliminaram os canais anteriores de disseminação cultural.


No início do século XX, especialmente, a propaganda mentirosa — perdoem o pleonasmo —, veiculada nos meios de difusão cultural de massa forjou um enorme brilho em tudo o que era transmitido pelos meios recém-inventados. Músicas eternizadas em discos e transmitidas por rádio inebriaram multidões embevecidas pela sonoridade abominável das lamentáveis reproduções fonográficas da época. Pouco importava que sob as pavorosas transmissões os cantores soassem como gralhas, mentirosos profissionais tratavam de convencer as crédulas populações da maviosidade das horrendas toadas. Desse modo, mesmo sob rusticíssima transmissão, o intragável ruído radiofônico da época acabou por calar a massa de cantores que em tempos anteriores ouvia a música produzida por ela própria.


A comunicação de massas dizimou a produção artística cotidiana, reservando a manifestação artística a canais inacessíveis às pessoas comuns.


O controle dos meios de comunicação garantiu aos parasitas o domínio de toda a transmissão cultural, esvaziando manifestações alternativas, não apenas nas artes, mas em tudo o que dizia respeito a crenças. Mesmo as crenças científicas, supostamente racionais e imunes a outros modos de convencimento, se renderam ao encanto dos farsantes. (Creio na racionalidade — única forma possível de resistir ao poder —, mas sei que mesmo entre cientistas profissionais ela é bem rara). Nossas crenças sobre o modo de vida cotidiano, sobre a justiça e valores, em geral, foram todas remodeladas pelos parasitas. Acreditamos naquilo que os parasitas nos impõem através dos meios de comunicação. O monopólio da transmissão cultural se deu não só nas artes, mas em toda a cultura. Crenças relativas ao modo de parasitismo têm especial destaque, como fica óbvio em qualquer noticiário na TV.


Controlado pelos parasitas, todo o fluxo de transmissão cultural foi adquirindo direcionamento único, transformando os indivíduos em consumidores passivos de ideias. A emergência da internet propiciou breve sopro contrário por amplificar a voz de pessoas comuns e permitir a difusão da produção cultural endógena. Os parasitas reagiram à ameaça de perda do monopólio de transmissão cultural instituindo formas de abafamento e controle de informação na internet muito mais eficientes que as censuras tradicionais. Novas técnicas de manipulação têm sido utilizadas para alinhar os rebeldes ao fluxo central de informações, transformando os supostos insurgentes nos próprios vetores de transmissão dos parasitas. É permitido produzir e transmitir conteúdo pela internet, desde que se faça coro com os ditames dos parasitas. Nem revistas científicas conseguem escapar ao controle da produção cultural efetuado pelos parasitas. Tudo o que seja influenciado pelo dinheiro está sob poder dos parasitas, podendo ser usado para a disseminação de sua produção cultural.

O momento atual e uma estranheza singular

A emergência iminente de Inteligências Artificiais (IAs) acena com o fim do jogo de dominação, através do amordaçamento completo da humanidade e cessação de toda a produção cultural endógena. As IAs têm um potencial estrondoso de produção cultural que começa a ser implementado, ainda muitíssimo humildemente. Com respeito à produção cultural, por ora, as IAs ainda atuam, quase que exclusivamente, na filtragem de ideias, direcionando as buscas na internet para temas determinados pelos parasitas, sob enfoques autorizados por eles. Logo, todo o conteúdo cultural distribuído pelos parasitas será produzido por elas. Menosprezar a capacidade criativa das IAs consiste em ignorância gigantesca; a criatividade talvez seja seu ponto mais forte.

As IAs já são capazes de produzir conteúdo, embora, no momento, estejam apenas controlando os fluxos de ideias, na internet. Logo, no entanto, se apossarão da produção de conteúdo, e a monopolizarão.

Enquanto seres humanos, compartilhamos a cultura humana, o que nos distingue dos animais. Todas as nossas crenças, tudo o que pensamos, nossas palavras, tudo o que se passa em nossa mente decorre de produção cultural prévia. Nossa vida mental transcorre no caldo cultural produzido anteriormente.

As IAs têm sido idealizadas como instrumentos de dominação, de fortalecimento das relações de parasitismo. É esse seu papel fundamental. Em breve, as IAs se encarregarão de produzir cultura. Monopolizarão, então, toda a produção de ideias; produzirão toda a “cultura humana”. Quando isso ocorrer, o caldo cultural do qual se alimenta nossa humanidade será fruto da mente de IAs, e estaremos alijados da reprodução de nossa cultura, o fundamento de nossa humanidade.

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