por Gustavo Gollo
Costumo usar uma expressão tão simples e óbvia quanto incômoda: “estagnação científica”. O incômodo decorre do antagonismo entre a expressão e a exaltação a um suposto desenvolvimento científico crescente alardeado repetidamente pelos meios de comunicação. O erro induzido e enfaticamente reiterado por eles decorre da confusão entre ciência e tecnologia; enquanto a tecnologia vem crescendo assombrosamente desde o início do século XX, impulsionada, no início, especialmente pela eletrificação das cidades e motores a explosão, a ciência perdeu seu ímpeto, desde os grandes avanços do século XIX e início do XX. A gorda lista de desenvolvimentos científicos ocorridos nesse período, com o desenvolvimento do eletromagnetismo, termodinâmica, evolução das espécies, relatividade, mecânica quântica e da compreensão do mundo, em geral, contrasta estrondosamente com a pobreza subsequente. Nos últimos 100anos, desde os anos 20 do século passado, nenhum conhecimento científico comparável a qualquer um dos listados acima veio à luz. A desaceleração científica gritante ocorrida desde então é ainda magnificada se considerado o gigantesco aumento do número de cientistas em ação. Mas, Lembremos que tecnologia gera patentes, ciência não.
A constatação da estagnação científica é tão óbvia quanto indubitável; para negá-la, bastaria apresentar alguma ideia posterior às listadas acima que seja tão estrondosa quanto qualquer delas; caso haja algo tão gritante, deve surgir em nossa mente de imediato, não havendo, convém parar um instante e pensar nas crenças incutidas em nós por mensagens tolas repetidas exaustivamente pelos meios de comunicação; nossas crenças se baseiam amplamente em tais informações. Costumamos acreditar naquilo que ouvimos repetidamente, lástima ainda superada pelo hábito de repetirmos, como papagaios, as ladainhas que nos foram impingidas, impondo-as a outros, normalmente sem reflexão. Acreditamos em muito lixo; os meios de comunicação têm espalhado, há décadas, vasta poluição intelectual. (A preocupação com as “fake news”, endossada recentemente pelos meios de comunicação, decorre da perda do monopólio de tal prerrogativa por eles, com a difusão da internet).
Ou seja, a crença generalizada de que a ciência desenvolveu-se extraordinariamente durante o século XX decorre apenas de fake news endossada por todos os meios de comunicação.
Agora, no entanto, tendo ouvido a cantilena reiteradamente, incomoda-nos deparar com a negação da crença injustificada, como se a revelação do erro nos diminuísse, ao expor nossa ignorância.
“Só sei que nada sei”, o mote socrático revela enorme sabedoria, deveria ser mais vezes relembrado: somos sumamente ignorantes, nada sabemos. Para termos uma ideia de nossa ignorância recomendo a seguinte experiência: tente responder uma pergunta qualquer. Dada a resposta, peça um esclarecimento sobre ela, através de nova pergunta, caso essa seja respondida, repita a ação. Poucos conseguirão se aprofundar além de 3 perguntas sobre qualquer tema. (Por exemplo: o que é isto? Um computador. Como ele funciona? Sei lá!). Caso constatemos nossa ignorância, podemos nos corrigir e nos tornar um pouco menos ignorantes.
Mas, tornemos à estagnação científica. Se nenhuma grande revolução científica comparável às listadas acima pôde ser lembrada, deve-se assumir que, de fato, o desenvolvimento científico tem andado relativamente estagnado já há um século.
De um modo ou outro, os cientistas sabem disso – embora o neguem –, e trazem no bolso uma explicação para a relativa estagnação – relativa, mas drástica. A justificativa tem ares de lamúria, lamento penoso evocativo de um passado resplandecente, usufruído outrora por venturosos viventes de antanho.
Contam que os cientistas de tempos pródigos passados teriam descoberto, virtualmente, tudo o que havia por descobrir, como convidados de um banquete que houvessem se regozijado com o delicioso repasto, deixando aos pósteros apenas restos que os cientistas subsequentes se encarregaram de destrinchar com avidez faminta, restando agora apenas ossos já vorazmente roídos, justificando assim a relativa estagnação científica e prognosticando enfadonha sina para as temerárias criaturas que ainda se atrevem aventurar na improfícua jornada.
Mostrarei, a seguir, que o argumento acima, nauseantemente repetido aos jovens estudantes de física, entre outros, consiste em um absurdo gritante.
Mundo aberto
Se o mundo fosse fechado, teríamos, a cada momento, apenas um leque finito de caminhos a trilhar. Teríamos sempre só um grupo de opções, sendo obrigados a escolher uma delas, todas previamente apresentadas.
Em um mundo aberto, em contraste, construímos nossos próprios caminhos, passo a passo, a cada momento, inventando-os, compondo nossa jornada como se escrevêssemos sobre uma folha de papel em branco.
É possível que a maioria de nós viva como se o mundo fosse fechado, utilizando clichês, formas prontas, para delinear cada um de seus passos, buscando sempre escolhas previamente trilhadas para seguir, incapazes de se embrenhar no mundo independentemente, criando seus próprios caminhos. Assim sendo, não surpreende que a maioria dos profissionais de ciência faça o mesmo. Buscando apenas caminhos que já foram trilhados, tais criaturas concluem que todos os caminhos possíveis já foram percorridos, conclusão tola, decorrente de suas próprias escolhas, sempre restritas às já consagradas. Agem como artesãos que apenas copiam o que produzem.
Enfatizemos que verdadeiros cientistas não agem assim, fazem como os artistas, sempre atentos às novidades, à inovação, às novas interpretações, às visões revolucionárias, delirantes, surpreendentes.
Cientistas costumam se proteger inventando um palavreado estranho e pomposo – o linguajar científico, identificado por todos. Caso não o utilizassem e fossem flagrados a descrever suas crenças através do palavreado usual, compreendido por todos, seriam internados em hospícios. Não são apenas as loucuras quânticas e os desvarios relativísticos, mas toda a grande ciência é, inicialmente, absurda e chocante, ao menos até que nos acostumemos a ela. Ou não pareceria fruto de demência a concepção de uma terra redonda na qual os antípodas permanecessem de cabeça para baixo, do outro lado do planeta, sem cair em abismos profundos? Tal alegação constituiu a principal objeção a Galileu, aquele louco. Que dirá de gatos mortos-vivos confinados em caixas quânticas? Ou de espaços e tempos maleáveis, contorcidos pelas peripécias de seus observadores relativistas? Darwin talvez escapasse do confinamento imposto aos loucos em face da hilaridade de suas ideias, sendo salvo, talvez, pelo bom humor decorrente do riso causado pela reivindicação de sua ancestralidade símia.
Os ataques sofridos por tais heresiarcas ─ vinganças pela divulgação de ideias exóticas─, ilustram a intensidade do desconforto gerado por novos modos de ver o mundo. Assim, não espero afagos ao contradizer dogmas estabelecidos por jornais e redes de TV, sempre prestimosos em enaltecer crescentes avanços científicos. Mas creio conseguir convencer aqueles minimamente dispostos a aceitar ideias divergentes e remodelar as suas.
Em um mundo aberto, de fato, o surpreendente não é encontrar ideias que divirjam das nossas; fato enigmático, e merecedor de explicação, decorre do exato oposto, de encontrarmos ideias iguais às nossas: entre infinitas possibilidades de escolha, como é possível que alguém tenha inventado o mesmo caminho que nós? A solução do enigma consiste na constatação de que a maioria não inventa seus caminhos, buscando, exclusivamente, os caminhos já trilhados. Tem sido essa, aliás, a maldição da ciência contemporânea, encerrada em si mesma, embevecida com sua própria e autodecantada beleza, encarcerada em um narcisismo inexpugnável. A contemplação da imensidão infinita descortinada por Georg Cantor, através de sua singela diagonal, dá uma noção do absurdo estrondoso implícito na ação de encarcerar crenças, ações, ou a própria vida em um mundo fechado, claustro autoimposto como por peru imaginário incapaz de transpor linha fechada desenhada no chão, ao seu redor.
Salve!
A ciência em um mundo aberto
A constatação de estarmos a viver em um mundo aberto sugere que percorramos o mundo como artistas, buscando e usufruindo a diversidade e o novo, criando, inventando, construindo mundos. Sim, ajamos como deuses e construamos mundos! Cientistas, em especial, têm tal obrigação. Farão isso inventando conceitos – os tijolos de suas teorias – e empilhando-os hereticamente, de maneiras inusitadas. Busquem o belo, é minha recomendação geral, válida para todos, sempre que possível, e ainda mais apropriadas a cientistas que aos demais.
Inventemos nossos próprios conceitos com os quais criaremos ideias radicais, delírios inovadores. Não permaneçamos à espera de visões hipnóticas como a ouroboros de August Kekulé, reveladora da estrutura do benzeno, nem delírios febris como os de Alfred Wallace, inspiradores de sua versão da teoria evolutiva, mas estejamos atentos a todas as estranhezas, a todas as diversidades; saboreemos cada uma delas, à maneira dos artistas, para compor teorias sinfônicas, dodecafônicas, icosaedrônicas, bilhonômicas, ou que outras consigamos. Criemos.
Ode à alegria
Embora seja provável que tragédias e sofrimentos consistam em material científico adequado, capazes de promover boas e belas teorias, a exemplo das tragédias teatrais e das músicas sofridas, proponho a alegria, o carnaval. A alegria exuberante e incontida como tempero para a ciência!
Ao fazer ciência, transbordemos exultantes como se conscientes da expectativa do grito de gol!
O link abaixo mostra uma versão antiga de minha mais bela teoria, a origem parasitária da reprodução sexual:
(a versão no link está completamente ultrapassada, mas vale como registro histórico do processo de construção da teoria)
Uuuuuuuhhhhhllllllll!
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