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Ciência e arte, por Gustavo Gollo

Se, a princípio, a ideia não é absurda, então não há esperança para ela. (A. Einstein)



Parece ter sido de Paul Dirac, – o dedutor da antimatéria* –, consoante ao espírito de Einstein, a sugestão de que a busca da beleza fosse incorporada, conscientemente, à maneira de se fazer ciência.


De fato, não existe um método científico, quero dizer, um conjunto de procedimentos tais que, executados corretamente, conduziriam à obtenção de boa ciência. O mais próximo disso a que se chegou foi a sugestão de seleção de teorias proposta por Karl Popper, quase um século atrás. O procedimento sugerido, no entanto, corresponde apenas a uma filtragem das teorias, à escolha das melhores entre elas, sem nada esclarecer quanto à sua formulação, – a constatação decepciona aquele que busca um método para fazer ciência.


Como elaborar uma teoria?


Tenho sugerido que a ciência seja encarada como um jogo de enigmas, e que a parte mais fundamental do jogo consiste na construção das perguntas.


Penso que o passo mais importante para a elaboração de uma teoria seja a formulação de uma boa pergunta; tendo definido claramente o que queira compreender, o cientista poderá enunciar uma pergunta clara cuja formulação já sugerirá algumas respostas.

A reformulação adequada de velhas perguntas, também pode ser de grande valia, conduzindo a novas respostas, possivelmente mais esclarecedoras que as anteriores, como exemplificarei.

Décadas atrás, quando comecei a me interessar por biologia, resolvi encarar aquela que considerei a questão fundamental de toda a biologia: Como surgem as espécies? A mesma questão havia sido tratada por Darwin, que, já no título de sua obra maior, “Sobre a origem das espécies” (On the origin of species), prometia resolvê-la.


Ocorre que a palavra “espécie” é usada corriqueiramente, há séculos, significando “tipo”, de modo que a pergunta costumava ser compreendida com o significado: “como surge um novo tipo de criatura?”. Darwin deduziu que novos tipos adviriam do isolamento prévio de duas populações, fato evidenciado nitidamente no arquipélago das galápagos, onde cada ilha ostenta populações de criaturas aparentadas, mas diferenciadas, umas de outras.

A resposta de Darwin corresponde, ainda hoje, à posição ortodoxa, a que é ensinada nas escolas, e que advoga que novas espécies surgem do acúmulo de diferenças adquiridas durante o isolamento geográfico prévio entre 2 conjuntos de populações. Reitero que se trata de uma resposta perfeitamente adequada à pergunta: “como surge um novo tipo biológico?”

Agora, reformulemos a pergunta, transformando-a em outra, aparentada, mas diferente: “Como surge uma nova população reprodutivamente isolada de todas as outras?”.


Para respondê-la, imaginei o surgimento de um fetiche em um certo grupo, de uma predileção sexual, em algumas criaturas, diferente da usual na espécie. A nova predileção induziria o pareamento entre indivíduos fetichistas e os que melhor correspondessem a sua predileção, gerando uma descendência tendente a herdar, tanto o fetiche, quanto a correspondente característica desejada, formando, assim, um grupo de indivíduos tendente a se reproduzir exclusivamente entre si, ou seja, um grupo endogâmico.


Tais grupos endogâmicos correspondem ao que chamamos, hoje, espécies biológicas “conjuntos de populações intercruzantes, real ou potencialmente, direta ou indiretamente, e reprodutivamente isolada de outros grupos”.

Agora, se relermos os processos descritos acima, verificaremos que o primeiro deles descreve a formação de novos tipos, ou espécies tipológicas, sem oferecer pistas de como tais criaturas, pré-diferenciadas, caso voltem a se contatar, evitarão a introgressão e a perda da diferenciação entre os grupos adquirida com o isolamento; enquanto o segundo descreve a formação de uma nova espécie biológica, ou seja um novo isolado reprodutivo.

Note como a reformulação da pergunta sugeriu a reformulação da resposta.

(Pergunta ainda mais esclarecedora seria: “Como surge um novo mecanismo de isolamento reprodutivo?” – considerando-se que o surgimento de um novo mecanismo de isolamento reprodutivo corresponde ao surgimento de uma nova espécie).


Veja aqui minha resposta mais detalhadamente:

Aqui uma crítica à concepção ortodoxa:


O exemplo acima ilustra um caminho simples que deveria ser mais explorado; em um mundo aberto, certamente, andamos esbarrando em inúmeros fenômenos que poderiam nos revelar novas concepções, se estivéssemos realmente atentos. Sugiro aos jovens cientistas que pratiquem a reformulação de antigas perguntas. Posso apostar que essa recomendação será o mais próximo de um método para a construção de teorias que o leitor encontrará.


A beleza como método

Certas características de nossos olhos podem nos confundir, fazendo-nos pensar que sejam atributos do mundo. É provável que a beleza seja só isso, e esteja apenas em nossos olhos, o que talvez justificasse o menosprezo de cientistas por ela.


De qualquer modo, somos humanos e qualquer ciência que nos caiba será uma ciência humana, o que já me levou a propor uma ciência artística, anteriormente, gostaria de reforçar a proposta.



Penso que, a exemplo de Einstein e Dirac, os cientistas devam agir como artistas, buscando as criações mais assombrosas. Note que, caso não houvessem sido confirmadas, as ideias de ambos teriam ido para o lixo, dado soarem excessivamente inverossímeis para o aproveitamento enquanto ficção.


Ciência artística


Creio que a maioria das pessoas pressuponha e espere uma desvinculação entre ciência e arte, postulando, ou até exigindo, a segregação entre ambas. Costumamos esperar cientistas sisudos que não se confundam com artistas fanfarrões.


Podemos, no entanto, considerar não haver entre essas atividades uma discrepância radical, ou antagonismo que impeça a fusão entre elas, e conjecturar sobre o que seria uma ciência artística.


Creio que uma ciência artística seria aquela que incorporasse, junto com explicações claras e precisas sobre um dado tema — exigências de cientificidade —, as características típicas das obras de arte, sendo elas o conjunto de sensações que descrevemos com palavras como assombro, deslumbramento, fascínio, surpresa, estupefação, estranheza e outras mais que relatem o estado de perplexidade a que tipicamente somos jogados quando nos deparamos com uma manifestação artística.


A grande ciência, causadora de perplexidade, assim como a arte, existe pelo simples fato de que vivemos em um mundo aberto, um mundo no qual as possibilidades são infinitas, e uma infinidade estonteante de possibilidades apresenta-se sempre ao nosso dispor, dependente apenas de nossa criatividade.


Uma prerrogativa encorajadora da grande ciência consiste na audibilidade do estalo dela resultante, quase estrondoso. Refiro-me ao clique que se percebe ao se fixar a última peça da montagem, ao encaixar o derradeiro elemento da criação, o estalido que nos dá a confiança de termos encaixado todas as peças da teoria com precisão. A audição do estalo falará por si, assegurando a veracidade da teoria.


Ao reconstruir uma teoria, quando a lê e a compreende, o leitor consegue ouvir o mesmo estalo, compartilhando a alegria causada pela remontagem da bela estrutura.


De modo a exemplificar o estranho fenômeno, não me furtarei a apresentar ao leitor uma de minhas teorias, acho que a mais bela dentre elas. E não se acanhe, leitor, em, ao ouvir o clique final correspondente ao encaixe da última peça da teoria, emendá-lo com uma batucada, transformando-o no eureca carnavalesco apropriado à alegria dos trópicos.


Ei-la, aqui, em 3 versões:


*Antimatéria


Imagine a ação de enfiar o cabo de uma colher no espaço vazio, futucá-lo, futucá-lo, até arrancar dele um elétron; de arrancá-lo do vazio, do nada, deixando em seu lugar um buraco — uma lacuna no espaço vazio —, capaz de conter um elétron, de ser preenchido por ele, retornando ao nada original, e aniquilando-se ambos. Tratar-se-ia de um antielétron, ou pósitron.


A bem da verdade, Dirac imaginou um fóton, e não um cabo de colher, para sacar o elétron do vazio — o que não sei se ameniza muita coisa —, e estava inventada a antimatéria.


Paul Dirac advogava a beleza como método da busca científica. Penso que o que ele tinha em mente, não era propriamente a beleza, mas a estupefação, o absurdo correspondente ao desvario de um louco, o mesmo tipo de contrassenso que move a arte. O que será comum a tudo o que chamamos arte, senão o mesmo aturdimento gerado pela inusitada previsão de Dirac?

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