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Sobre o ponto de acumulação,

uma esperança

Os seres que habitam o universo (todas as coisas) vêm evoluindo e tornando-se cada vez mais complexos em uma escalada crescente ao longo das eras. Complexidade gera complexidade, de maneira que os seres vivos, muito mais complexos que os seres inanimados, geram muito mais complexidade que estes; também os seres vivos atuais, muito mais complexos que os de tempos remotos, geram mais complexidade que eles.

 

A análise do processo de geração de complexidade mostra nitidamente um desenvolvimento metaevolutivo: após o surgimento do universo, foram necessários uns 10 bilhões de anos para o aparecimento dos seres vivos. Mais uns 3 bilhões de anos foram necessários para a ocorrência da explosão cambriana, momento em que os seres vivos começaram a se diversificar tremendamente e a se tornar muito mais complexos que anteriormente, provavelmente em decorrência do surgimento da reprodução sexuada, um grande salto metaevolutivo que teria acelerado a evolução dos seres vivos.

 

Após 500 milhões de anos, a tendência crescente em direção à complexidade acabou levando ao surgimento da linguagem, um fenômeno ímpar capaz de reter e acumular os desenvolvimentos eventuais obtidos pelos seres, significando um enorme salto metaevolutivo, a transposição a um novo patamar evolutivo.

 

Antes do advento da linguagem, as inovações conseguidas eram perdidas logo em seguida. Eventualmente alguns animais desenvolvem técnicas elaboradas para a solução de seus problemas, mostrando sinais de engenho surpreendentes. Como, no entanto, nenhum deles tem a habilidade de comunicar a outros sua invenção, a novidade técnica desenvolvida exporadicamente por animais acaba perdida. A linguagem permitiu que os homens primitivos acumulassem as técnicas que foram desenvolvendo, inicialmente, muito lentamente. Nossos antepassados aprimoravam tanto a linguagem, quanto as habilidades em desenvolver novas técnicas; o resultado foi a extraordinária diversidade de objetos, instituições e criações huanas, de modo geral; a diversidade de tudo isso é gritante.

 

A transposição de um patamar evolutivo constitui um aumento na velocidade evolutiva, uma evolução da evolução. De posse da linguagem, temos criado, nos últimos 100.000 anos, especialmente, diversidade e complexidade crescentes, em velocidade muito superior à de qualquer outro fenômeno anterior, evidenciando a aceleração metaevolucionária perpassando todo o desenvolvimento histórico.

 

Insisto: a tendência metaevolucionária a acelerar a evolução é gritante.

 

Recentemente criamos algo capaz de acelerar a evolução ainda mais, elevando-a a um novo patamar metaevolutivo.

 

Os computadores têm se tornado cada vez mais úteis no auxílio da tarefa de construção de novos computadores; hoje eles constituem um auxílio necessário em todas as etapas da construção de novos computadores, desde o projeto, até a construção física das máquinas, em fábricas automatizadas. Logo eles executarão autonomamente todo o processo de aperfeiçoamento e construção de novos computadores.

 

Ou seja, em poucas décadas os computadores construirão outros computadores mais aperfeioados que eles próprios, que, por sua vez, construirão outros ainda mais aperfeiçoados. O processo parece não ter limites e os aperfeiçoamentos passados gerarão aperfeiçoamentos futuros, de modo que a complexidade gerará mais complexidade. Trata-se da evolução planejada, um salto metaevolutivo gigantesco, muito mais efetiva que a seleção natural praticada pelos seres vivos.

 

Creio que, nesse sentido, os computadores estão para os seres vivos, assim como estes para os seres inanimados, tendo transposto um patamar evolutivo extraordinário que os eleva amplamente, aumentando surpreendentemente sua velocidade evolutiva. O fenômeno é avassalador e inexorável as velocidades estonteantes.

 

10 bilhões de anos foram necessários para o primeiro grande salto metaevolutivo, o surgimento dos seres vivos, mais 3 bilhões para o segundo, aexplosão cambriana. 500 milhões de anos mais, nos trouxeram à era dos mamíferos, e os 100 mil útimos decorreram sob a acumulação de complexidade permitida pela linguagem.

 

O aumento vertiginoso da velocidade evolutiva permanece incólume, vai ganhando força. Terão sido necessários uns 100 anos para que, em poucas décadas, os computadores realizem autonomamente o aperfeiçoamento das novas gerações de computadores, garantindo a aceleração do processo. Logo virá algo novo.

 

A tendência crescente sugere a transposição do patamar seguinte em uns 10 anos apenas, e de outro em mais 1 ano, mais um em 1 mês, depois 1 dia, uma hora, um minuto... e chega-se a um ponto de acumulação: um momento no qual os saltos evolutivos se somam gerando uma explosão criativa sem precedentes. Tratar-se-á do maior fenômeno já ocorrido desde a criação do universo.

 

 

Uma objeção tão óbvia quanto inquietante se interpõe a tudo isso: tais fenômenos exigem um consumo crescente de energia, de modo que nos veremos torrados pelo processo explosivo e iminente.

 

A consideração sugere duas alternativas: a primeira, bastante óbvia, consiste em evitar o fenômeno, parando o aperfeiçoamento de novos computadores. Ainda que racional e compreensível, tal proposta me parece inviável: não acredito que possamos conter a tendência evolutiva avassaladora direcionada ao aumento de complexidade.

 

A segunda alternativa causará certa estranheza, pressupõe a superação de limites quânticos.

 

A mecânica quântica impõe limites mínimos; mesmo os menores níveis de organização exigem uma quantidade finita de energia, de modo que uma complexidade ilimitada exigiria energia ilimitada. A teoria exige, assim, a saturação do processo. Mesmo assim, teremos sucumbido, a humanidade, antes desse ponto.

 

Surpreendo-me, no entanto, com um otimismo inusitado decorrente do seguinte.

 

3 tendências conectadas têm guiado o desenvolvimento dos computadores: complexização, miniaturização, e eficiência energética; são as 3 faces da mesma moeda (3!?). Computadores menores podem otimizar o consumo energético, gastando menos energia por informação processada. Em princípio seria possível reduzir as dimensões físicas da máquina, incluindo aí o volume, as tensões e correntes elétricas, permitindo o equilíbrio entre o aumento de complexidade e o consumo de energia. Essa otimização vem, de fato, ocorrendo, mas a limitação quântica impõe o fim do processo em algum instante, o que nos deixa na iminência do apocalipse.

 

Sabemos, no entanto, que nossas teorias são falíveis. Os limites quânticos ainda não foram testados, estão prestes a sê-los. Creio ser um otimismo exagerado (ou pessimismo, no caso) acreditar termos já encontrado a verdade última, a teoria definitiva, o saber final. Suspeito que a teoria quântica virá a ser superada, como o foi a maravilhosa teoria newtoniana, e que seus limites serão superados, assim como os limites das esferas celestes o foram um dia. Constataremos conhecer apenas a superfície de todas as coisas. Contrastando com nossa ignorância imensa, penso que conhecemos apenas uma parte muito ínfima de todas as coisas.

 

O argumento de Einstein, Podolsky e Rosen (EPR), já atacava um dos limites quânticos, o da incerteza, que impõem a nebulosidade dos fenômenos realmente minúsculos; não creio ter sido respondido.

 

Temos tido enorme dificuldade em superar limites tão ínfimos, o que, aliás, não surpreende, dada a disparidade entre esse tamanho e o nosso. Talvez, no entanto, os computadores construam máquinas, e fábricas de máquinas, cada vez menores, construtoras e projetistas de outras máquinas e fábricas ainda menores, em ciclos sucessivos, buscando assim a superação das infinitesimalidades mais ínfimas já encontradas.

 

Note que essa superação, efetuada por computadores, ou, mais provavelmente, por seus sucedâneos, permitirá a extensão indefinida do processo evolutivo, enquanto a manutenção dos limites quânticos impõe a saturação do processo.

 

Suspeito que se os limites quânticos forem insuperáveis, estaremos criando uma estrela nova; será o apocalipse, e ocorrerá em poucas décadas. A esperança de continuidade reside na confiança de que a expectativa termodinâmica de aumento de complexidade não imponha o correspondente aumento no consumo energético, o que só poderá ser conseguido com a superação das limitações quânticas. A esperança, assim, consiste na possibilidade de existência de algo ainda desconhecido e muito menor do que tudo o que já foi visto, uma espécie de mundo subeletrônico oculto até hoje em virtude de seu tamanho ínfimo.

 

Não faz muito tempo que descobrimos os micróbios, o mundo microscópico. Os átomos são ainda mais recentes; só depois veio o mundo subatômico. Não seria a primeira vez que a arrogância de nossa pretensão de já determos o conhecimento último viria a ser solapada. Talvez acabemos por constatar a injustificabilidade dos limites quânticos, superando-os, como a tantos outros anteriormente; o universo tem mostrado ter o tamanho de nossos olhos, os limites de nossas crenças.

 

Caso seja possível, a superação dos limites quânticos ocasionará o maior fenômeno já ocorrido desde o início dos tempos: o ponto de acumulação. O contrário significará o apocalipse.

 

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